Dinheiro Social
A moeda daquela época era bem diferente da nossa. Ela não tinha prazo de validade.
VITÓRIA DO POVO
Alexandre Flach
12/23/20244 min read
"A moeda daquela época era bem diferente da nossa. Ela não tinha prazo de validade previamente estabelecido e era quantitativa, ou seja, na prática você não podia gastar duas vezes a mesma moeda. Se você tivesse cem unidades daquele dinheiro, era isso que ele permitia que você fizesse: depois de trocar esses cem dinheiros por qualquer coisa que eles dissessem que valesse cem dinheiros, você ficava com a coisa e não podia fazer mais nada. Seu dinheiro acabava. Esse era o dinheiro do capital.
Mas, como sabemos o capitalismo afundou e depois de toda aquela bagunça que marcaram a segunda metade do século XXI, passamos a trabalhar com o dinheiro social. Seu dinheiro hoje pode comprar qualquer coisa, quantas vezes você quiser, mas tem prazo de validade. Esse prazo de validade varia conforme as demandas da sociedade, porque para obter mais dinheiro depois que o seu perdeu a validade, é preciso se engajar em alguma produção social. Se hoje você vai em um restaurante e é servido por cozinheiros, faxineiros etc, quando o seu dinheiro perder a validade será você que irá, por exemplo, no restaurante fazer a faxina ou trabalhar na cozinha para ganhar um novo dinheiro, e provavelmente irá servir a pessoa que tinha servido você antes. Quanto mais a sociedade demandar por serviços, coisas, bens em geral, mais ela terá de trabalhar para atender a essas demandas e menor será a validade do dinheiro social. Mais demanda igual a mais trabalho. Menos demanda, menos trabalho.
Antigamente, as pessoas viviam na escravidão do salário, e é interessante mas a força da ideologia era tão intensa que as pessoas queriam ser escravas do salário. Queriam "emprego" e "salário". Incrível, não? Mas isso não era apenas devido à ideologia. Na verdade, a ideologia era apenas uma forma palatável de esconder o verdadeiro problema daquela época: a escassez estrutural e sistêmica. O capitalismo era o regime da escassez e da servidão.
Quando alguém produzia qualquer coisa naquela época, a coisa produzida não tinha só que ser útil para a sociedade, ela também tinha que ser útil ao capitalismo. Na verdade, mais importante até do que ter alguma utilidade, as coisas tinham que ter também um valor no mercado, se não nem existiriam. Desse jeito, é claro que a sociedade produzia montanhas de coisas inúteis e não conseguia nunca produzir a quantidade necessária das coisas que as pessoas realmente precisavam. E mesmo as coisas úteis, para terem valor como mercadoria, tinham que ter uma produção sempre menor do que a demanda da sociedade, se não o valor como mercadoria cairia até quase zero. Se um super computador maravilhoso da época fosse produzido em quantidade suficiente para atender a todas as pessoas que precisassem dele, mesmo sendo extremamente útil, como mercadoria para ser vendido e comprado no mercado, seu valor seria praticamente zero. Por outro lado, uma mercadoria sem valor nenhum não teria como ser produzida, porque todas as outras coisas necessárias para a produção eram mercadorias também, o próprio trabalho das pessoas era uma mercadoria! Então, tudo tinha que ser produzido sempre abaixo da necessidade real daqueles tempos, ou seja, para ter valor como mercadoria, tudo tinha que ser escasso. Por isso eles viviam ao mesmo tempo dentro de uma montanha de lixo inútil e em uma escassez sem solução.
Hoje as pessoas podem ter um dinheiro que vale quantas vezes for necessário porque podemos produzir sempre tudo o que a sociedade precisa. Então, como mercadoria, tudo o que produzimos não tem valor nenhum. As coisas só valem pelo que elas são: coisas necessárias para alguém. Como tudo está acessível a qualquer um, não dá para ninguém querer uma vantagem pessoal para entregar qualquer coisa para outra pessoa. A gente pode simplesmente ir lá e mostrar o nosso dinheiro social e pegar a coisa e pronto. Nós "compramos" tudo ao mesmo tempo com o nosso trabalho. Realmente, ganhamos um mundo depois do capitalismo.
Fora isso, para nós quanto menos trabalho melhor! A gente se livrou daquela escravidão do trabalho em que eles viviam, produzindo lixo e escassez ao mesmo tempo. Se a gente pudesse produzir tudo o que precisamos com nenhum trabalho, ninguém ficaria triste com isso. Pelo contrário, quando o dinheiro social começou a funcionar através dos nossos coletivos de produção e reconstrução social, logo percebemos que o trabalho necessário, por pessoa, para produzir tudo o que temos era muito, mas muito, menor do que aquele pessoal tinha que suportar no capitalismo.
Claro! Primeiro, todo mundo quer trabalhar para ganhar o dinheiro social e poder ter o que quiser. Então já é uma montanha de gente, que antigamente não produzia nada, que começa a produzir. Fora isto, sabemos que se alguém tentar ter mais coisas do que realmente precisa — e isso aconteceu muito no começo mas até hoje ainda acontece — essa pessoa vai sobrecarregar todo mundo e a validade do seu próprio dinheiro vai diminuir. Uma pessoa assim não é nada popular, como aqui todo mundo sabe... Logo, todo mundo começou a ver que é mais inteligente consumir o que realmente é necessário e assim poder ter uma vida muito mais livre do trabalho. Mas o principal é que como as nossas coisas não têm que ser transformadas em mercadorias, não têm nada da riqueza que produzimos que fica parada na mão de meia dúzia de burgueses, na forma de capital, como acontecia antigamente. Tudo o que a gente produz é usado, consumido, serve para alguém quase imediatamente. Foi aí que pudemos desenvolver pra valer a nossa tecnologia e ficou cada vez mais fácil produzir tudo. Até aquelas montanhas de lixo daquela época foram úteis, não é mesmo?
Como tudo passou a ser útil, nosso trabalho, nossa vida mesmo, é por isso que podemos dizer que vivemos hoje em uma sociedade de abundância e não de escassez.